terça-feira, 15 de abril de 2014

À Volta da India # 2 - Crónicas de Nova Delhi

“Se alguém quiser verificar se tem realmente espírito de viajante, é pela Índia que deve começar
(João Paulo Peixoto, primeiro português a visitar os 193 países reconhecidos pela ONU).

Antes de partir para a Índia, escrevi este post no meu saudoso blog: "À Volta do Mundo", em que fazia uma previsão do que ia encontrar. Curiosamente, bateu tudo certo. E acertei num pormenor muito importante: “foi a melhor e a pior viagem de sempre, o que fez com que se tornasse inesquecível”.

Tal como havia referido, começamos por Nova Deli. Aterrar à uma da manhã, sozinha com a S., e ter um indiano, com aspeto [muuiiito] duvidoso à nossa espera, não foi a cena mais fixe deste mundo. Mas tivemos que confiar. O meu irmão vinha de Bangalore e só ia chegar no dia seguinte. Por isso, que remédio tivemos nós se não entrar na carrinha do “Fintas” e seguir para o Hostel, na zona velha da cidade.

Deli é uma cidade esmagadora. Com cerca de 11 milhões de habitantes, e apesar de ser a capital da Índia, é um dos locais mais conservadores do país, em que o lixo, as vacas [sagradas, e não, não vou fazer nenhuma piada com o tema], os sem-abrigo, o esgoto a céu aberto, as estradas de lama, e o trânsito caótico, fazem com que, num, primeiro embate, o incauto turista se sinta tentado a fugir e apanhar o primeiro voo para um local civilizado. Existem alguns cuidados básicos a ter, já que cerca de 70% dos ocidentais adoecem no Norte da Índia. Evitar água da torneira, bebidas com gelo, comida de rua e alimentos crus, é essencial para quem quiser sobreviver. Por outro lado, e especialmente no que toca às mulheres, a história das violações, não é tanga. As agressões sexuais são relativamente comuns, por isso a roupa que se usa é um aspecto muito importante a ter em conta. Não me perguntem como nem porquê, mas os Indianos ficam loucos com ombros à mostra. Elas podem mostrar o decote e a banha da barriga, agora os ombros é que não pode ser. Eu, a conselho [e imposição] do meu irmão, deixei as minhas “farpelas” ocidentais em casa, e comprei quase tudo lá. Calças à “Aladino”, túnicas largas e t-shirts à “tronga”, foram os meus melhores amigos durante três semanas, a ponto de os assumir como normais, o que é verdadeiramente assustador.

O nosso alojamento era razoável, apesar de não ser o sítio mais limpo do mundo. Felizmente levei um saco-cama de Verão, que comprei no Amazon, já que dormir naqueles lençóis estava COMPLETAMENTE fora de questão. Desde o primeiro momento que acertámos que a viagem seria low cust, pelo que, por quatro euros e meio por noite, até nem ficámos mal servidos.

Ao nível dos pontos de interesse, a cidade é absolutamente fantástica, encontrando-se pejada de Monumentos classificados como “Património Mundial da UNESCO”. Uma vez que o tempo não chegava para tudo, tivemos que fazer opções, e este foi o nosso Périplo: “Conhecer Nova Deli em três dias”:

- Monumentos classificados pela UNESCO: Red Fort (ou Forte Vermelho), construído no século XVII, é um exemplo icónico da arquitectura indiana, sendo apelidado como “maravilha superior às prometidas no paraíso”; Qutb Minar, o minarete de tijolo mais alto do mundo, e o Humayn´s Tomb, mausoléu construído no século XVI, cuja beleza e perfeição nos transportam para os contos das “Mil e Uma Noites”.

- Monumentos emblemáticos: Jama Masjid, a grande Mesquita da cidade, edificada no século XVII, e a maior de todo o país. Recomendo a visita feita ao pôr-do-sol, para assistir à última oração do dia e à impressionante multidão de crentes, vestidos de branco, que a invadem; Lotus Temple, local absolutamente fantástico, em que a beleza arquitectónica se alia à tolerância religiosa, já que foi feito para os devotos de “todas as religiões do mundo”, e, por último, o Índia Gate, memorial oferecido pela Inglaterra como agradecimento pela prestação dos soldados indianos na I Guerra Mundial.

- A parte islâmica da cidade, com o seu grande mercado, que vale mesmo a pena visitar, já que a cultura muçulmana se acaba por fundir com a hindu, o que lhe confere uma particularidade única.

- Além dos locais turísticos, optamos por visitar mercados que não vêm nos guias e que nos permitiram contactar com a “Índia Real”, que os filmes de Bollywood não mostram. Talvez, por isso, tenhamos optado por ficar na zona velha, que, apesar do lixo, da miséria humana, [que, inconscientemente, acabamos por aceitar como “normal”, por mais cruel que isto vos pareça], e do trânsito caótico, é, ao mesmo tempo, mais real e genuína.

Se nos conseguirmos abstrair do choque inicial, Nova Deli acaba por se tornar numa cidade encantadora, com um cheiro muito característico a arroz e especiarias, em que os habitantes são afáveis e simpáticos, apesar de nos estarem sempre a tentar “chumbar” umas rupias. Aqui experimentei um dos melhores restaurantes onde já comi na vida: o Karim´s. De cunho muçulmano, é considerado o melhor restaurante não vegetariano da cidade e um dos melhores da Ásia.

A visita a Deli teria corrido sobre rodas, se o Lobo Mau [e espertalhão] não tivesse achado que estava tudo muito bom, mas que iria ficar óptimo se tomasse um brunch com ovos estrelados [gema a cair sobre as torradas, incluída]. Em minha defesa tenho a dizer que o local em questão tinha um “catrapázio” gigante na entrada a dizer “Recommended by Lonely Planet  [esse guia bíblico do viajante], pelo que achei que não deveria haver problema. Raciocínio errado, muito errado. Devo dizer que comecei a vomitar compulsivamente, ao ponto de quase desmaiar dentro do metro de Deli, e de, no Hostel, o recepcionista querer chamar o “médico” [aka curandeiro], o qual obviamente dispensei. Preferi optar por tomar o antibiótico [que o santo médico da Medicina do Viajante me havia receitado], e que teimava em não fazer efeito. Após o segundo dia, o périplo por Deli foi feito a duras penas e a toque do soro em pó. Já que não conseguia comer nada sólido e o calor e a humidade eram insuportáveis. Quando partimos para Jaipur, recordo-me de estar na estação de comboios, que é absolutamente inarrável, com centenas de pessoas a dormir na rua, e crianças a deambular na linha férrea, sob risco de morrerem esmagadas, e de dizer ao meu irmão: “A viagem acabou aqui. Vou morrer e nunca mais vou ver a mãe”. 

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